CRISE NA VENEZUELA
Juan Guaidó, líder da oposição venezuelana, chega no aeroporto
internacional Simon Bolivar em Caracas, Venezuela - 04/03/2019 (Carlos
Jasso/Reuters)
Com o apoio internacional de mais de
50 países, ameaças de “ações rápidas” pelos Estados Unidos caso fosse
detido e a recepção de uma dúzia de embaixadores de países
latino-americanos e europeus que o aguardavam pessoalmente no aeroporto
de Maiquetia, o autodeclarado presidente interino da Venezuela, Juan
Guaidó, voltou a Caracas nesta segunda-feira, 4. Seu retorno foi um
claro desafio ao presidente Nicolás Maduro, que afirmara nos últimos
dias que Guaidó precisaria prestar contas à Justiça por ter desobedecido
uma ordem judicial de não sair do país e por tê-lo o feito de maneira
ilegal, por meio de uma das dezenas de passagens irregulares que ligam a
Venezuela à Colômbia. O autodeclarado presidente interino venezuelano
não enfrentou qualquer problema ao desembarcar em um voo comercial vindo
do Panamá e pôde seguir sem impedimentos para encontrar milhares de
apoiadores que o aguardavam no bairro das Mercedes, uma região de classe
média alta de Caracas.
O retorno de Guaidó à
Venezuela foi uma vitória política importante da oposição venezuelana e,
principalmente, da coalizão internacional liderada pelos Estados Unidos
que o apoia e força a saída de Nicolás Maduro. Ao não cumprir as
ameaças de que iria prender seu principal opositor, Maduro mostrou que
teme as consequências de um acirramento da pressão internacional que vem
sofrendo desde o início do ano, quando Guaidó se autodeclarou
presidente interino do país. Os golpes mais duros dessa pressão vieram
dos Estados Unidos, que bloquearam as contas da Citco, subsidiária no
país de Donald Trump da estatal petroleira venezuelana, a PDVSA. Sem ter
acesso a essas contas, na prática o governo do país fica sem acesso a
sua principal fonte de renda, a exportação de petróleo para os Estados
Unidos. Estima-se que os envios venezuelanos tenham caído 45% apenas
nesse último mês e que as exportações remanescentes sejam apenas para
pagamento de dívidas com a China e a Rússia.
Durante seu discurso para milhares de
pessoas em uma praça no bairro das Mercedes, um área de classe média
alta de Caracas, Guaidó afirmou que está mais forte do que nunca e que
os dias de Maduro estão contados. De acordo com ele, a viagem que vez
por diversos países sul-americanos, como Brasil, Argentina, Paraguai e
Equador reforçou o apoio internacional que vem recebendo. Pelo Twitter,
que ficou horas sem funcionar em Caracas, Guaidó informou que havia
chegado ao país no início da tarde dessa segunda-feira. “Entramos na
Venezuela como cidadãos livres, que ninguém nos diga o contrário.” Ele
afirmou que pretende se encontrar com sindicatos de trabalhadores
estatais nesta terça-feira, 5, e prometeu fazer um anuncio importante ao
país. Guaidó pediu ainda que a mobilização popular se mantenha e
convocou novas manifestações no próximo sábado.
Nesta segunda, ao menos, Juan Guaidó, não
conseguiu mobilizar o mesmo número de pessoas que atenderam a seus
chamados anteriores. Apesar de haver milhares de pessoas na Praça
Alfredo Sadel, no bairro das Mercedes, (números oficiais não foram
divulgados), havia bem menos gente do que nas marchas convocadas antes
da tentativa frustrada de entrar à força na Venezuela com cerca de 600
toneladas de alimentos, remédios e itens de primeira necessidade
enviadas pelos Estados Unidos, no dia 23 de fevereiro. Muitos
venezuelanos acreditavam que Guaidó teria força suficiente para
convencer os militares a permitir a entrada dos comboios que saíram de
Cúcuta, na Colômbia; de Pacaraima, no Brasil, e de Curaçao. O fracasso
na empreitada, a qual o presidente interino havia prometido sucesso
garantido nos dias que a antecederam decepcionaram muitos venezuelanos.
“Já não há o mesmo empenho, as pessoas já não confiam tanto que
conseguiremos a vitória, estão vendo um filme que já viram antes”, me
contava a ex-bancária Maria Elisa Ramírez Toro, antes de a notícia de
que Guaidó havia pousado no Aeroporto de Maiquetía se espalhar. “Mas não
se trata só disso, é feriado nacional na Venezuela por causa do
Carnaval e muita gente foi para praia, isso explica um pouco porque não
há tanta gente”, dizia ela.
Com uma inflação que superou os
incríveis 1 milhão por cento em 2018 e um salário médio que mal
ultrapassa os US$ 5, apenas venezuelanos ricos e de classe alta
conseguem viajar, mesmo que seja para passar alguns dias nas praias que
estão distantes poucas dezenas de quilômetros de Caracas. O retorno de
Guaidó nessa segunda mostrou que a base da oposição venezuelana segue
sendo exatamente o que restou dos extratos sociais mais altos do país.
Nas Mercedes, um bairro tipicamente rico de Caracas, via-se poucos
manifestantes que fazem parte das classes mais baixas que dominam a
população desse país profundamente empobrecido e que mais sofrem com a
crise profunda que explodiu aqui após a queda dos preços das
commodities, em 2014. Entre os que estiveram na segunda de Carnaval nas
Mercedes, um sem número de homens a bordo de Harley Davidsons e carros
de luxo. Os centros comerciais e restaurantes em que um almoço pode
custar o mesmo que três a quatro salários mínimos estavam abarrotados.
Após ter sido derrotado no dia 23 ao
ver Maduro mostrar força, coesão e lealdades das Forças Armadas, Guaidó
de fato conquistou uma batalha importante nessa nova guerra política que
se estende há quase dois meses na Venezuela. Seu retorno desafiador
tende a ampliar os ânimos de seus apoiadores, mas não lhe garante, no
entanto força suficiente para conseguir derrubar Maduro. Para isso, ele
precisa do apoio das Forças Armadas. Em seu discurso de retorno, Guaidó
relembrou que ao menos 700 militares já desertaram, quase todos eles na
Colômbia, e mais uma vez convocou uma rebelião contra Maduro nos
quartéis. “Faço outro chamado às Forças Armadas. Não basta estar de
braços cruzados, a omissão também é um crime de lesa humanidade”, disse
ele.
As deserções, no entanto, estão longe
do motim generalizado que Guaidó e a oposição esperavam no dia 23 de
fevereiro, quando não conseguiram fazer que nem ao menos um dos
caminhões com a carga americana entrassem no país. Os 700 desertores são
quase todos soldados de baixa patente e moradores de cidades
fronteiriças que fogem da fome e das más condições de trabalho nos
quartéis. Boa parte deles conseguiu fugir com as famílias atravessando
as passagens irregulares entre a Venezuela e a Colômbia. Deserções de
oficiais de alta patente, como coronéis e generais têm ocorrido, mas de
forma muito esporádica e em números pouco relevantes. Com o bloqueio
econômico imposto pelos Estados Unidos a tendência é de que a situação
do país fique ainda pior e, com isso, é possível que parte da cúpula
militar abandone o apoio a Maduro.
Mas isso, como mostrou a tentativa
frustrada de entrar com as cargas enviadas pelos Estados Unidos,
trata-se apenas de especulação. Mas é exatamente com essa possibilidade
que Guaidó segue apostando para se tornar presidente interino de forma
concreta. Nas próximas semanas, o autoproclamado presidente interino
seguirá tentando ampliar a pressão política sobre Maduro fazendo novas
promessas e buscando ampliar apoio tanto internamente quanto
externamente. Mas entre discursos, bravatas e operações midiáticas,
tanto Maduro quanto Guaidó sabem que essa crise só terá seu final quando
os militares venezuelanos tomarem uma decisão concreta sobre o futuro
do país. Por enquanto, os integrantes da elite militar da Venezuela
parecem acreditar que Maduro é a melhor opção. Ao menos, para eles.
(Por
Yan Boechat/Veja.com.br)
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