CONGRESSO
© Reuters
A possibilidade de Jair
Bolsonaro (PSL) estabelecer uma relação diferente com os partidos de sua
base de apoio, desafiando o modelo de coalizão vigente, já ouriçou o
Congresso e deixou pesquisadores da política no Brasil com olhos e
ouvidos atentos.
As mudanças em curso pelo presidente eleito incluem a indicação de
ministros sem ligação com legendas e a anunciada vontade de negociar
votações na Câmara com as bancadas temáticas em vez de passar pelos
líderes das siglas.
"Negociar não é feio. Desde que
estejam em jogo políticas públicas, numa discussão legítima, honesta.
Feio é negociar falcatrua", diz o sociólogo e cientista político Sérgio
Abranches, que cunhou em um artigo de 1988 a expressão presidencialismo
de coalizão para descrever a forma como presidentes no país obtêm
maioria para passar as propostas.Nos governos pós-redemocratização, a
formação ministerial e a relação com os parlamentares se solidificou na
lógica de troca de cargos e de verbas, estilo que Bolsonaro diz ter a
intenção de abolir.
Formar alianças, dizem cientistas políticos, não é o problema -é até
indispensável, já que nenhum presidente teria maioria no Legislativo se
contasse só com seu partido.
A questão é que negociar para
governar virou sinônimo de cooptação, afirma Abranches. "Esse ciclo
político se esgotou. O eleitor não aceita mais isso."
Bolsonaro
propõe, desde a campanha à Presidência, uma quebra de paradigma. Na
escolha dos ministros, diz priorizar a capacidade técnica, como quando
chamou Sergio Moro, sem filiação partidária, para a pasta da Justiça.
Em
outros casos, buscou palpites de bancadas temáticas. Dos parlamentares
do agronegócio veio a sugestão de Tereza Cristina (MS) para a
Agricultura. Dos deputados ligados à saúde saiu o nome do futuro titular
do ministério da área, Luiz Henrique Mandetta (MS).
Ambos são do
DEM, mas o futuro presidente diz se tratar de uma coincidência, e não de
uma bênção ao partido do próximo titular da Casa Civil, Onyx Lorenzoni
(DEM-RS), aliado fiel na campanha e um dos homens fortes na composição
do novo governo.
Para Abranches, a fórmula que o presidente tenta
implementar está em consonância com a onda de rejeição dos eleitores à
política sustentada por conchavos e barganhas.
Já o plano de
também recorrer às bancadas na hora de negociar a aprovação de projetos é
controverso. Na avaliação do analista político Antônio Augusto de
Queiroz, diretor de documentação do Diap (Departamento Intersindical de
Assessoria Parlamentar), isso colocará o novo presidente em conflito com
a Câmara.
"Ele pode formar o governo com esse padrão, mas não
governa com esse padrão. No Parlamento tudo gira em torno das legendas, e
os líderes não vão deixar que o presidente passe por cima dos partidos e
utilize as suas bancadas para aprovar os projetos dele", diz Queiroz,
que acompanha o Congresso há 35 anos.
Lideranças de frentes
parlamentares vêm manifestando insatisfação com o novo modelo. Afirmam
que a estratégia é equivocada e reivindicam uma abertura de diálogo.
"Esse discurso de hostilizar partidos pode funcionar durante a
campanha. Mas agora não tem a menor condição, senão virá uma retaliação
muito grande", diz o diretor do Diap.
A cientista política Maria
Herminia Tavares de Almeida se mostra menos cética. "Nunca aconteceu,
mas não sei se é inviável. O fato de nunca ter ocorrido não quer dizer
que nunca poderia ser feito."
Para a pesquisadora do Cebrap
(Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), porém, a dificuldade é
evidente, já que "o que funcionou no passado foram maiorias construídas a
partir da negociação com lideranças partidárias".
As bancadas
evangélica, ruralista e da bala, afirma ela, "têm uma agenda em cima de
um assunto específico. Quando o assunto é outro, não está dado que elas
votem disciplinadamente e em unidade".
Maria Herminia relativiza também a pecha negativa que a discussão
sobre o presidencialismo de coalizão suscita no Brasil. "A participação
no governo ocorre em qualquer lugar do mundo. Os partidos que ganharam a
eleição vão para os ministérios, simples assim. O problema é que aqui
existem muitos partidos, aí a negociação fica complicada."
(Com
informações da Folhapress)
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