BRASIL, POLÍTICA
Jair Messias Bolsonaro esperava em pé em
frente à porta de um restaurante no aeroporto Santos Dumont, no Rio, dez
minutos antes do combinado. De terno azul-escuro, brochinho de deputado
na lapela, ele tomaria um avião para Brasília dali a duas horas. Estava
às voltas com uma extensa agenda de eventos e efemérides, que fizeram
com que começasse a matar as sessões do Congresso. No total,
quadruplicou o números de faltas. Foram 16 delas sem apresentar
justificativa. “Vou tirar licença”, disse.
Estava acompanhado de
um assessor, Valdir Ferraz, que cuida de sua agenda e o acompanha em
viagens. Também de dois assistentes que seguravam bolsas e pastas. O
local ainda estava fechado ao público, e o grupo se instalou em
poltronas de couro em frente ao bar, de costas para uma deslumbrante
vista da Baía de Guanabara.
Ele começou a conversa elucubrando sobre o que aconteceria se ele
tivesse chamado a pré-candidata da Rede, Marina Silva, de hiena — como
ela havia feito com ele na véspera no programa Pânico na TV. “Se é eu
falando, ofendeu as mulheres do Brasil”, afirmou com essas exatas
palavras. Depois, criticou a imprensa que, segundo ele, só lhe dá
“porrada”. Listou dois ou três casos de quando publicam fotos suas ao
lado de outros políticos que atualmente estão presos “só para sacanear”.
E se dirigiu à única pessoa que conhecera minutos antes. “Se quiser me
dar pancada, pode dar.”
De acordo com o Datafolha, Bolsonaro está
no topo da corrida eleitoral na simulação sem o nome do ex-presidente
Lula. O parlamentar alcança 17% das intenções de voto, seguido de perto
pela ex-senadora Marina Silva (REDE), que oscila entre os percentuais de
15% e 16%, dependendo do cenário analisado.
Nas sondagens sobre o
segundo turno também sem Lula, os indicadores tornam amarga a situação
bolsonariana. Segundo o instituto de pesquisa, ele perderia para Marina e
para o ex-governador Geraldo Alckmin, e estaria empatado com Ciro Gomes
(PDT).
“Já tenho metade do ministério escolhido”, contou. Não à
toa. Em setembro, um mês antes do pleito, promete divulgar o nome de
todos os ministros para que os eleitores votem não apenas nele — mas no
conjunto de pessoas que, segundo diz, governará a seu lado. “Eu falo com
humildade que não entendo porra nenhuma de economia e me dão pau”,
afirmou. “Mas vou ter o Paulo Guedes, que entende muito. Não sou só eu
governando.” O economista está acertado como seu ministro da Fazenda.
O
general Augusto Heleno, que ficou famoso como comandante militar da
missão de estabilização da ONU no Haiti, é quem vai apontar o dono da
pasta da Defesa. “Ele vai indicar o quatro estrelas. Não vou falar se
vai ser da Marinha ou do Exército para não criar ciúme.”
Para a
Ciência e Tecnologia, Bolsonaro escolheu o tenente-coronel da Força
Aérea Brasileira Marcos Pontes, o primeiro e único astronauta
brasileiro. Em 2014, saiu candidato a deputado federal de São Paulo pelo
PSB, mas obteve apenas 43 mil votos. “Está me ajudando demais. Ele
mesmo me procurou querendo colaborar.” Na opinião de Bolsonaro, o perfil
do astronauta é ideal para o cargo. “Ele continua na ativa, NASA, é
pesquisador, é empreendedor.”
As portas do restaurante foram
abertas aos clientes. Dois funcionários de andar eficiente
cumprimentaram o candidato, que acenou de longe quase num gesto de
continência. “Você sabe quem é o ministro da Ciência e Tecnologia
hoje?”, ele perguntou aos interlocutores, que estavam debruçados sobre
uma pequena mesinha de madeira para ouvir melhor o candidato. “Ninguém
sabe. É o Kassab, que não entende nem de lei da gravidade nem de
gravidez.” Houve risos. E ele passou a discorrer sobre o absurdo de
haver quadros inapropriados e neófitos para tocar importantes temas
brasileiros.
Na Educação, ele acha que o deputado gaúcho Onyx
Lorenzoni, do DEM, é um “coringa do governo” que pode se encaixar bem ao
perfil da pasta. “Tem de ser alguém que chegue com um lança-chama e
toque fogo no Paulo Freire”, disse em referência ao educador
pernambucano, que revolucionou o ensino nacional. Ao notar um
desconforto geral, apressou-se: “É linguagem figurada, linguagem
figurada!” Ajeitou o paletó e disse: “Esse método deu errado, tem de
acabar com isso. Tem que voltar a pôr tabuada na régua do filho”.
Dos
30 ministérios, ele manteria cerca de metade. Segurança Pública? Acha
um assunto fácil de resolver, que não necessita uma pasta específica.
“Não é tão complexo”, disse olhando para um dos jornalistas presentes.
“Se você erra, escreve uma besteira, não vai preso. O policial erra, vai
pra cadeia. Tem de ter retaguarda jurídica.” Em sua ampla opinião, a
falta é de autoridade.
Igualdade Racial e Direitos Humanos? “Dá
logo uma foiçada nisso e transforma tudo em secretaria”, disse. O mesmo
vai fazer com a Cultura. “Tem que valorizar a cultura para quem está
começando, não para Cirque du Soleil”, comentou.
Na Saúde, ele já
tem um favorito, mas disse que não poderia mencioná-lo “porque
prejudicaria” a posição do sujeito. Um de seus interlocutores é o
deputado Luiz Henrique Mandetta, do DEM do Mato Grosso do Sul, onde já
foi secretário de Saúde.
De Mandetta, ele absorveu algumas
experiências. Por exemplo, que seria possível diminuir em até 70% o
número de prematuros que precisam de cuidados em Unidades de Terapia
Intensiva — que custam, em média, R$ 5.000 por dia. Com uma retórica
apressada, ele deu como exemplo o caso de uma mulher que vai fazer
pré-natal, mas que, se fosse encaminhada também ao dentista, evitaria
gastos futuros com doenças bucais. “Tem que ter prevenção! É como na
fronteira onde o tenente ensina o soldado a escovar o dente, a lavar o
bumbum”, explicou. E soltou um dado estatístico singular: que, no
Brasil, 1.000 pessoas tinham o pênis mutilado por causa de falta de
higiene. “Nós, homens, somos relaxados. Mulher não. Tá sempre se
limpando. Nós, homens, jogamos uma cerveja no piu-piu e tá limpo. Isso é
o que o povo faz”, disse. Quando um dos presentes observou jamais ter
ouvido falar de tal hábito, ele se virou para o assessor como se
buscasse apoio moral. “É verdade. Você joga uma pinga, um álcool. Vai
ver no fronteirão do Brasil como é.” O dado sobre as amputações penianas
é real e foi publicado pela revista Galileu, em novembro do ano
passado.
O assunto resvalou para o Ministério das Relações
Exteriores, ninguém sabe como. Foi quando ele relatou uma recente
incursão pelo mundo da diplomacia. Fora convidado para um almoço
oferecido pelo embaixador da Espanha com outros 15 diplomatas. Sentou-se
ao lado do embaixador italiano e cochichou em seu ouvido: “Ano que vem
vou te dar um presente”. Quando o outro quis saber o que era, ele disse:
“O Battisti (que ele pronunciou como oxítona). Já tem bandido demais
aqui”. Depois disse que teve “um pequeno atrito” com o embaixador
equatoriano quando ele argumentou que era absurdo o Brasil importar
banana do país.
Um rapaz se aproximou da mesa e ofereceu água ao
grupo. Ele não quis. O nome do chefe do Itamaraty também vai ser mantido
em sigilo. “Se eu falar, o cara vai levar pancada e é capaz de ser
mandado para Burúndia.” Em tom de confidência, ele disse ser prudente
checar “se não é fake news”, mas que leu contrariado que a última turma
de formandos no Instituto Rio Branco havia homenageado a “Marilene”
(queria dizer a vereadora Marielle Franco, do PSOL, assassinada há quase
dois meses num crime ainda sem solução). “Pelamor de Deus, cara,
pelamor. Aquilo foi absurdo”, rangiu.
Quando se trata de Esportes,
ele ouve o ex-nadador carioca Luiz Lima — que já foi secretário de Alto
Rendimento do Ministério do Esporte e pediu demissão no ano passado,
durante a gestão de Leonardo Picciani, alegando “razões pessoais”. Ainda
que ninguém perguntasse, ele continuou a dar pistas sobre seu futuro
gabinete. “Pra que Ministério das Cidades?”, disse. “Pega o dinheiro e
manda para um prefeito em Resende, e ele se vira, cara.”
A
conversa se voltou novamente para Paulo Guedes, o nome mais vistoso de
seu futuro ministério. Ele contou que o economista estava trabalhando,
havia dois anos, numa possível candidatura do apresentador Luciano Huck.
“Eles já tinham cheirado que vinha um outsider”, disse. Quando o
projeto Huck foi abortado, Guedes, segundo contou, procurou-o. Já no
primeiro encontro, ele disse ter sido muito franco com o economista.
“Olhei para ele e falei: ‘Que que tu viu em mim?’”, afirmou nessas
exatas palavras dando uma gargalhada. “Porque eu não sou nada, cara, tô
mentindo? Sou nada!”, disse replicando o diálogo passado.
Segundo
ele, Guedes riu, contou também ter cursado o Colégio Militar, falou que
passou dos 60, “tava no lucro” e que queria fazer algo para o Brasil.
“Ele quer estar comigo porque sou de confiança. É igual casamento”,
disse. Mais uma vez, valeu-se de exemplos de seu entorno para ilustrar
seu pensamento. “É que nem um deputado que conheço que casou com uma
prostituta. É daqui para a frente, porra. Zerou o passado, lavou, tá
novo.” Depois, citou o caso de Jordi, um ex-travesti que havia feito
dinheiro na França, voltou para o Brasil, converteu-se, casou com uma
evangélica. “É daqui pra frente.”
Quando indagado se o ministério
teria mulheres, negros, LGBTs, ele aumentou uma oitava na voz. “Não
estou procurando gay, mulher, negro para ser ministro. Tô procurando
gente competente”, respondeu lacônico.
Faltavam alguns minutos
para o voo, e ele passou a olhar o relógio a cada minuto. Agradeceu o
encontro e encerrou a conversa. A caminho da porta, Bolsonaro cruzou com
uma moça baixinha e dois rapazes com barbas longas estilo hipster. Um
deles levantou o braço direito em sua direção e falou em voz alta sem
olhar para a cara do candidato. “Vou votar em você, hein?” Ele riu. Na
porta do elevador, alguém do grupo comentou que o rapaz tinha um leve
tom afeminado na voz e havia virado a mão como que desmunhecando quando
declarou o voto. “Porra, eu fico impressionado com a quantidade de gay
de direita que vai votar em mim!”, disse entremeando um largo sorriso.
(Daniella Pinheiro & Thiago Prado/Época)
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